10/20/2020 10:38:00 PM

Presidente Bolsonaro

 

  O atual mandatário do executivo brasileiro, o presidente Jair Messias Bolsonaro, foi eleito em 2018 com algumas promessas de campanha que ia desde maior abertura ao armamento da população, responsabilidade fiscal, exaltação do nacionalismo e valores conservadores cristãos, destruição da cartilha progressista sobre as escolas, principalmente do ensino fundamental, aversão ao governo de coalizão regado pelo "tomá-la-dá-cá" no legislativo, combate a corrupção, abertura econômica, entre outros. No entanto a promessa que vamos nos focar nessa publicação diz respeito ao comprometimento em ocupar cargos de liderança importantes como os de ministro e alguns de secretário por peritos e técnicos, dando grande autonomia para tais.

  Muitos pensadores e intelectuais defensores da tecnocracia argumentam que não orquestram uma implementação dessa estrutura de governo devido à dificuldade de colocar em prática uma mudança tão grande e sem exemplos de respaldo ou como guias, sendo esse processo muito provavelmente sem o apoio da maioria da população. Argumentam também que é possível alcançar as qualidades de uma tecnocracia por meio de uma série de ajustes no modelo democrático em que tornaria a sua administração mais dependente e vinculada a informações técnicas e de pessoal especializado.

  A promessa e de fato a execução nos primeiros anos de mandato do governo Bolsonaro vem colocar em teste essa ideia, certamente existe mais formas de hibridizar a democracia com a tecnocracia além da que ocorre nos fundamentos do bolsonarismo mas essa é uma vertente sólida e que sim dá respaldo para analisar mesmo que com ressalvas, se é correto ou não defender essa hibridização.

  Não citando todos os ministros e focando mais nos que de fato mostraram algum nível de acerto ou de fracasso dessa proposta, podemos citar que a ministra da agricultura Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, o ex-ministro da justiça Sérgio Fernando Moro, ministro da infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas e o ministro da economia Paulo Roberto Nunes Guedes apresentaram um relevante comprometimento com administrar suas respectivas pastas com elevado nível técnico, mesmo embora tenham demonstrado influência de opiniões pessoais dignas de políticos não especialistas essas não se sobressaíram em suas realizações, também ocorreu a liberdade prometida sobre tudo no primeiro ano de mandato, no entanto muitas de suas atribuições foram desidratadas pelo congresso demonstrando que uma hibridização necessitaria de ocorrer em todos os poderes contidos na democracia em questão para poder ter chances de eficiência caso contrário o problema da influência ignorante das massas mina os esforços técnicos, já que parlamentares estariam se opondo a propostas por temer represarias eleitorais, por serem eles próprios populistas ignorantes ou por tentar barganhar com outras propostas não técnicas. O ministro da ciência (nome genérico já que esta pasta tem um nome e tamanho da influência bastante metamórfica), Marcos Cesar Pontes teve sua capacidade de demonstrar sua administração limitada se não totalmente inibida devido ao cortes de orçamento, não sendo assim possível avaliar, o ministro do meio ambiente Ricardo de Aquino Salles, a ministra dos direitos humanos (nome também genérico) Damares Regina Alves, e os vários ministros que passaram pelo comando do ministério da educação demonstraram que apenas ser um perito no currículo não garante que vão levar competência técnica precisa para o exercício da administração pública, uma vez que suas ideologias políticas transpareceram mais nas suas decisões que seu nível técnico mesmo esses tendo tido certa liberdade para fazer uso, dessa forma é mostrando também que para garantir decisões técnicas mais assertivas precisasse de mais de um perito como líder em cada área, uma vez que o indivíduo acaba por sofrer influência não só do seu conhecimento técnico e essa influência externa pode ser limitada por uma dependência do consenso entre mais vozes que só convergem em comum no que diz respeito ao conhecimento técnico. Demais pastas não se fizeram relevantes para citar ou acabaram por não se encaixar no cumprimento dessa promessa.

  A observação desses problemas de aprovação de propostas dos ministros realmente mais técnicos que democráticos ou de ministros que mesmo tendo currículo técnico apresentam comportamento de políticos democráticos comuns por si só já demonstrariam que esse experimento fracassou mas ainda não tornaria inválida esse tipo de abordagem, ou pode se dizer vertente que tenta hibridizar a tecnocracia com a democracia pois o cenário tem muita polarização, surgiu numa crise financeira e até certa altura não passara por um teste que necessitava de uma dinâmica mais arrojada podendo fazer esses fatos ocorrerem por uma questão de transição entendida pelos próprios integrantes do governo. O que realmente expõe o fracasso e a inválida, inclusive mostrando como é valioso esse experimento brasileiro para quem debate esse tema, é o que ocorreu recentemente entre o presidente Bolsonaro e o ex-ministro da saúde Luis Henrique Mandetta envolvendo o ministro da economia Paulo Guedes, esse debate ocorreu justamente quando enfim uma rara situação que demanda dinâmica veio a se apresentar, a pandemia do Coronavírus Sars-CoV2 ou COVID-19, nela o ainda ministro Mandetta começou a seguir a cartilha pregada pela maior parte da comunidade científica internacional enquanto o presidente Bolsonaro a pregar em concordância com as correntes também cientificas mas minoritárias em ralação a prevenção da doença e no caso do tratamentos nem mesmo respaldado cientificamente e posteriormente a tomar partido no embate dos bastidores entre as pastas da economia e da saúde.

  Nessa crise que se instalou foi possível ter o privilégio do ponto de vista da ciência política de observar vários problemas que provaram ser praticamente impossível casar os modelos tecnocrático e democrático. Como que quando colocado sob extrema pressão eleitoral o maior dos defensores políticos da influência técnica no governo entra em rota de colisão com essa ideia, que sem um aparato jurídico todo pensado para esse fim duas propostas tecnocráticas extremamente técnicas de diferentes áreas podem  entrar em choque não sendo possível intermediar as situação, e que peritos não só se tornam políticos comuns abandonando o perfil técnico em detrimento de opiniões pessoais ou aspirações eleitorais como podem tornar o argumento técnico justamente uma ferramenta sua de captação de votos e não de benefício do país.

  Esmiuçando as informações e afirmações dos parágrafos anteriores, caso houvesse harmonia entre os dois modelos de estrutura de governo o presidente Bolsonaro como representante democrático deveria ficar com o papel de garantir estabilidade política e tornar as decisões técnicas que seus ministros peritos fizessem algo tragável para a população, e os ministros como representantes tecnocráticos deveriam nesse tema que abrange as duas áreas, a econômica de Guedes devido a paralização das atividades econômicas do país para conseguir prover um distanciamento social como principal medida de prevenção e combate a disseminação da doença, e o aumento do arrombo nas contas públicas devido a necessidade de garantir a sobrevivência da população paralisada, e a área sanitária de Mandetta por razões óbvias já que se trata de uma pandemia que precisa da aparato da pasta da saúde para tentar salvar vidas, nenhuma das áreas é menos importante e por mais que uma decisão final não fosse a melhor para nenhuma seria a melhor entre ambas para que nenhuma entrasse em colapso, coisa que tiraria vidas e o bem estar da população seja qual fosse. No entanto essa harmonia entre modelos não ocorre e Mandetta se tornou inflexível se apoiando em exemplos de países muito mais bem estruturados que o Brasil e que podiam suportar uma abordagem mais responsável em relação a saúde em detrimento aos custos econômicos e em argumentos científicos que olhados só pelo spectro da ciência relacionado a área sanitária são irrefutáveis, se esquecendo completamente que economia também é uma ciência e que estava a desrespeitado, pela própria natureza da área sua explicação era de mais fácil compreensão pela população que a de Guedes e assim como ficou evidenciado em pronunciamentos posteriores a sua saída do cargo, ele se utilizou da situação para conseguir capital político e eleitoral. Bolsonaro então por não ter uma comunicação boa o bastante com a população, se é que é possível ter uma comunicação boa o bastante para fazer população absorver informações técnicas de áreas distintas de forma equivalente, e por não ter um aparato institucional para desincentivar essa postura de Mandetta foi forçado a substituí-lo para que outro cumprisse o papel de planejar com Guedes uma saída consensual entre as pastas, esse processo de substituição foi regado a uma verdadeira campanha digna de eleições presidenciais para se esquivar de entregar força aos que queriam se aproveitar da crise assumindo posicionamentos que não lhe competiam para parecer mais forte e agitar a militância, por meio de distrações polêmicas e midiáticas se esquivar também do desgaste de bater de frente à uma ideia já instalada na consciência do popular cujo qual a maioria achava apenas os argumentos mais fáceis de se entender de Mandetta válidos, e com um cargo que todos que ocupam se tornam fantoches ilegítimos nessa mesma consciência popular se não repetirem as práticas ousadas do antigo ocupante, cargo que só veio encontrar estabilidade terminando nas mãos de um militar.

   Essa enorme crise que poderia em outros casos até mesmo derrubar facilmente um governo se instalou com extrema facilidade logo no início da pandemia levando a uma completa desarticulação das autoridades que aturam de forma extremamente ineficiente no combate do surto, ter tentando hibridizar os modelos não só não ajudou como atrapalhou e muito, e isso independentemente dos demais fatores que pesavam fazendo desconsiderar anterioridade esse experimento um divisor de águas.

  Se por um lado o método bolsonarista de hibridizar a democracia com a tecnocracia provou ser um fracasso tanto que o governo agora limitou preventivamente o espaço cedido a outras pastas técnicas temendo passar por mais tormentas semelhantes, mudanças que levaram a saída também do agora ex-ministro Moro. Ele ainda permite teorizar uma abordagem mais organizada e com correções a respeito do uso da figura individual do perito, tonando a abordagem coletiva mais atraente, a criação de mecanismos institucionais para limitar o egocentrismo de uma pasta e a inclusão talvez até mesmo via mudança de constituição do respeito as decisões técnicas em todos os poderes democráticos. Essa abordagem ainda não testada poderia permitir um proveito vantajoso da união do modelos de estrutura de governo ao invés de causar mais dores de cabeça que benefícios como vem causando, no entanto também seria muito difícil de ser colocada em prática, talvez apenas por pouca margem menos difícil que a própria implantação da tecnocracia pura.

  Sendo assim esse experimento vem como uma pesada prova contra essa ideia de mais valer a pena investir os esforços em deixar a democracia mais técnica do que implementar um novo modelo puramente técnico, isso claro para os defensores relutantes desse estilo de administração.


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