O atual mandatário do executivo brasileiro, o
presidente Jair Messias Bolsonaro, foi eleito em 2018 com algumas promessas de
campanha que ia desde maior abertura ao armamento da população,
responsabilidade fiscal, exaltação do nacionalismo e valores conservadores
cristãos, destruição da cartilha progressista sobre as escolas, principalmente
do ensino fundamental, aversão ao governo de coalizão regado pelo
"tomá-la-dá-cá" no legislativo, combate a corrupção, abertura
econômica, entre outros. No entanto a promessa que vamos nos focar nessa
publicação diz respeito ao comprometimento em ocupar cargos de liderança
importantes como os de ministro e alguns de secretário por peritos e técnicos,
dando grande autonomia para tais.
Muitos
pensadores e intelectuais defensores da tecnocracia argumentam que não
orquestram uma implementação dessa estrutura de governo devido à dificuldade de
colocar em prática uma mudança tão grande e sem exemplos de respaldo ou como
guias, sendo esse processo muito provavelmente sem o apoio da maioria da
população. Argumentam também que é possível alcançar as qualidades de uma
tecnocracia por meio de uma série de ajustes no modelo democrático em que
tornaria a sua administração mais dependente e vinculada a informações técnicas
e de pessoal especializado.
A
promessa e de fato a execução nos primeiros anos de mandato do governo
Bolsonaro vem colocar em teste essa ideia, certamente existe mais formas de
hibridizar a democracia com a tecnocracia além da que ocorre nos fundamentos do
bolsonarismo mas essa é uma vertente sólida e que sim dá respaldo para analisar
mesmo que com ressalvas, se é correto ou não defender essa hibridização.
Não
citando todos os ministros e focando mais nos que de fato mostraram algum nível
de acerto ou de fracasso dessa proposta, podemos citar que a ministra da
agricultura Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, o ex-ministro da justiça
Sérgio Fernando Moro, ministro da infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas e o
ministro da economia Paulo Roberto Nunes Guedes apresentaram um relevante
comprometimento com administrar suas respectivas pastas com elevado nível
técnico, mesmo embora tenham demonstrado influência de opiniões pessoais dignas
de políticos não especialistas essas não se sobressaíram em suas realizações,
também ocorreu a liberdade prometida sobre tudo no primeiro ano de mandato, no
entanto muitas de suas atribuições foram desidratadas pelo congresso
demonstrando que uma hibridização necessitaria de ocorrer em todos os poderes
contidos na democracia em questão para poder ter chances de eficiência caso
contrário o problema da influência ignorante das massas mina os esforços
técnicos, já que parlamentares estariam se opondo a propostas por temer
represarias eleitorais, por serem eles próprios populistas ignorantes ou por
tentar barganhar com outras propostas não técnicas. O ministro da ciência (nome
genérico já que esta pasta tem um nome e tamanho da influência bastante
metamórfica), Marcos Cesar Pontes teve sua capacidade de demonstrar sua
administração limitada se não totalmente inibida devido ao cortes de orçamento,
não sendo assim possível avaliar, o ministro do meio ambiente Ricardo de Aquino
Salles, a ministra dos direitos humanos (nome também genérico) Damares Regina
Alves, e os vários ministros que passaram pelo comando do ministério da
educação demonstraram que apenas ser um perito no currículo não garante que vão
levar competência técnica precisa para o exercício da administração pública,
uma vez que suas ideologias políticas transpareceram mais nas suas decisões que
seu nível técnico mesmo esses tendo tido certa liberdade para fazer uso, dessa
forma é mostrando também que para garantir decisões técnicas mais assertivas
precisasse de mais de um perito como líder em cada área, uma vez que o
indivíduo acaba por sofrer influência não só do seu conhecimento técnico e essa
influência externa pode ser limitada por uma dependência do consenso entre mais
vozes que só convergem em comum no que diz respeito ao conhecimento técnico.
Demais pastas não se fizeram relevantes para citar ou acabaram por não se
encaixar no cumprimento dessa promessa.
A
observação desses problemas de aprovação de propostas dos ministros realmente
mais técnicos que democráticos ou de ministros que mesmo tendo currículo
técnico apresentam comportamento de políticos democráticos comuns por si só já
demonstrariam que esse experimento fracassou mas ainda não tornaria inválida
esse tipo de abordagem, ou pode se dizer vertente que tenta hibridizar a
tecnocracia com a democracia pois o cenário tem muita polarização, surgiu numa
crise financeira e até certa altura não passara por um teste que necessitava de
uma dinâmica mais arrojada podendo fazer esses fatos ocorrerem por uma questão
de transição entendida pelos próprios integrantes do governo. O que realmente
expõe o fracasso e a inválida, inclusive mostrando como é valioso esse
experimento brasileiro para quem debate esse tema, é o que ocorreu recentemente
entre o presidente Bolsonaro e o ex-ministro da saúde Luis Henrique Mandetta
envolvendo o ministro da economia Paulo Guedes, esse debate ocorreu justamente
quando enfim uma rara situação que demanda dinâmica veio a se apresentar, a
pandemia do Coronavírus Sars-CoV2 ou COVID-19, nela o ainda ministro Mandetta
começou a seguir a cartilha pregada pela maior parte da comunidade científica
internacional enquanto o presidente Bolsonaro a pregar em concordância com as
correntes também cientificas mas minoritárias em ralação a prevenção da doença
e no caso do tratamentos nem mesmo respaldado cientificamente e posteriormente
a tomar partido no embate dos bastidores entre as pastas da economia e da
saúde.
Nessa
crise que se instalou foi possível ter o privilégio do ponto de vista da
ciência política de observar vários problemas que provaram ser praticamente impossível
casar os modelos tecnocrático e democrático. Como que quando colocado sob
extrema pressão eleitoral o maior dos defensores políticos da influência
técnica no governo entra em rota de colisão com essa ideia, que sem um aparato
jurídico todo pensado para esse fim duas propostas tecnocráticas extremamente
técnicas de diferentes áreas podem
entrar em choque não sendo possível intermediar as situação, e que
peritos não só se tornam políticos comuns abandonando o perfil técnico em
detrimento de opiniões pessoais ou aspirações eleitorais como podem tornar o
argumento técnico justamente uma ferramenta sua de captação de votos e não de
benefício do país.
Esmiuçando as informações e afirmações dos parágrafos anteriores, caso
houvesse harmonia entre os dois modelos de estrutura de governo o presidente
Bolsonaro como representante democrático deveria ficar com o papel de garantir
estabilidade política e tornar as decisões técnicas que seus ministros peritos
fizessem algo tragável para a população, e os ministros como representantes
tecnocráticos deveriam nesse tema que abrange as duas áreas, a econômica de
Guedes devido a paralização das atividades econômicas do país para conseguir
prover um distanciamento social como principal medida de prevenção e combate a
disseminação da doença, e o aumento do arrombo nas contas públicas devido a
necessidade de garantir a sobrevivência da população paralisada, e a área
sanitária de Mandetta por razões óbvias já que se trata de uma pandemia que
precisa da aparato da pasta da saúde para tentar salvar vidas, nenhuma das
áreas é menos importante e por mais que uma decisão final não fosse a melhor
para nenhuma seria a melhor entre ambas para que nenhuma entrasse em colapso,
coisa que tiraria vidas e o bem estar da população seja qual fosse. No entanto
essa harmonia entre modelos não ocorre e Mandetta se tornou inflexível se
apoiando em exemplos de países muito mais bem estruturados que o Brasil e que
podiam suportar uma abordagem mais responsável em relação a saúde em detrimento
aos custos econômicos e em argumentos científicos que olhados só pelo spectro
da ciência relacionado a área sanitária são irrefutáveis, se esquecendo
completamente que economia também é uma ciência e que estava a desrespeitado,
pela própria natureza da área sua explicação era de mais fácil compreensão pela
população que a de Guedes e assim como ficou evidenciado em pronunciamentos
posteriores a sua saída do cargo, ele se utilizou da situação para conseguir
capital político e eleitoral. Bolsonaro então por não ter uma comunicação boa o
bastante com a população, se é que é possível ter uma comunicação boa o
bastante para fazer população absorver informações técnicas de áreas distintas
de forma equivalente, e por não ter um aparato institucional para desincentivar
essa postura de Mandetta foi forçado a substituí-lo para que outro cumprisse o
papel de planejar com Guedes uma saída consensual entre as pastas, esse
processo de substituição foi regado a uma verdadeira campanha digna de eleições
presidenciais para se esquivar de entregar força aos que queriam se aproveitar
da crise assumindo posicionamentos que não lhe competiam para parecer mais
forte e agitar a militância, por meio de distrações polêmicas e midiáticas se
esquivar também do desgaste de bater de frente à uma ideia já instalada na
consciência do popular cujo qual a maioria achava apenas os argumentos mais
fáceis de se entender de Mandetta válidos, e com um cargo que todos que ocupam
se tornam fantoches ilegítimos nessa mesma consciência popular se não repetirem
as práticas ousadas do antigo ocupante, cargo que só veio encontrar
estabilidade terminando nas mãos de um militar.
Essa
enorme crise que poderia em outros casos até mesmo derrubar facilmente um
governo se instalou com extrema facilidade logo no início da pandemia levando a
uma completa desarticulação das autoridades que aturam de forma extremamente
ineficiente no combate do surto, ter tentando hibridizar os modelos não só não
ajudou como atrapalhou e muito, e isso independentemente dos demais fatores que
pesavam fazendo desconsiderar anterioridade esse experimento um divisor de
águas.
Se por
um lado o método bolsonarista de hibridizar a democracia com a tecnocracia
provou ser um fracasso tanto que o governo agora limitou preventivamente o espaço
cedido a outras pastas técnicas temendo passar por mais tormentas semelhantes,
mudanças que levaram a saída também do agora ex-ministro Moro. Ele ainda
permite teorizar uma abordagem mais organizada e com correções a respeito do
uso da figura individual do perito, tonando a abordagem coletiva mais atraente,
a criação de mecanismos institucionais para limitar o egocentrismo de uma pasta
e a inclusão talvez até mesmo via mudança de constituição do respeito as
decisões técnicas em todos os poderes democráticos. Essa abordagem ainda não
testada poderia permitir um proveito vantajoso da união do modelos de estrutura
de governo ao invés de causar mais dores de cabeça que benefícios como vem
causando, no entanto também seria muito difícil de ser colocada em prática,
talvez apenas por pouca margem menos difícil que a própria implantação da
tecnocracia pura.
Sendo
assim esse experimento vem como uma pesada prova contra essa ideia de mais
valer a pena investir os esforços em deixar a democracia mais técnica do que
implementar um novo modelo puramente técnico, isso claro para os defensores
relutantes desse estilo de administração.